sábado, dezembro 13, 2008

Assuntos acadêmicos (só?)



Algo torna a universidade um dos piores lugares qual mantenho relações com pessoas. Em certos momentos uma fantasia estranha mascara isso, e eu repentinamente esqueço o mar de podridão qual eu estou nadando.

Uma coisa boa, fora a absurda fonte de conhecimento, é a capacidade de conhecer pessoas, perspectivas diferentes, idéias novas, tudo que se relaciona com certo engrandecimento do ser e de certa forma, algum amadurecimento.

No entanto, tenho me deparado nestes últimos dois semestres com uma dolorosa constatação do óbvio. Há uma guerra ridícula sendo travada aqui. Não há vencedores, nunca haverá. A única intenção deste joguinho ridículo é a maximização do ego, o sentir-se superior e uma vantajosa dose de egoísmo que vai sendo jogado no ventilador e cada um acaba absorvendo uma fração desta condensada merda.

Os alunos vivem num mundo estranho. A maioria acredita e defende que a universidade é um local onde nos comportamos como soldados. Seu único dever é estudar e mostrar para a sociedade quanto você vale. No caso, pra você valer algo que preste, você deve ter como cifra, pelo menos, um sete. A maioria dos que, por muitos motivos não alcançam esta 'meta' já são pré-rotulados como desleixados, burros, desinteressados, indecisos e uma infinidade de adjetivos, que de longe se percebe que nada têm de positivo.

Fora a questão da nota final em si, tem outros fatores como faltas e prazos. Eu sou muito suspeito pra falar sobre esse assunto, mas minha experiência de vida até agora me fez perceber que algumas coisas são baboseiras absurdas. Prazos e faltas tem pelo menos um pé nisso. Lembro que eu cobrava um amigo meu intensamente sobre isso. Ele nunca fazia os trabalhos em tempo hábil, raramente estudava para as provas entre outros fatores. Ainda assim, eu considerava ele como alguém muito inteligente (o que em na realidade não tem absolutamente nada a ver). O tempo fez eu acabar percebendo que eu estava sendo implicante demais, mas eu achava ele o máximo do desleixo ainda assim. Não demorou muito e ele morreu. A tragédia me fez refletir que porra de cobrança era aquela que todos faziam com ele. Tudo é muito efêmero, existem coisas que numa reflexão mais global não fazem o menor sentido.

No caso das faltas e prazos, eu tenho meu jeito de viver com isso. Por exemplo, eu me sinto muito mais a vontade estudando o assunto em casa do que ficando 4 horas olhando pra alguém explicando algo que eu mesmo posso aprender. Isso foi desde sempre. Eu não consigo me concentrar muito tempo nas aulas, logo começo olhar pra os lados, pra o relógio, e aquele ambiente se torna insuportável. Não é sempre, depende do professor e do assunto (até porque eu participo muito, as vezes até enche o saco), mas certo momento eu acabo me levantando, vou dar uma volta, bebo minha água, faço minhas necessidades fisiológicas e volto.

No entanto, essa conduta minha é meio que geral. Até certo ponto é plausível para a maioria, só que eu , no caso, acabo, para as outras pessoas, exagerando. Não é isso. É maneira pela qual meu ensino-aprendizagem flui. Eu não posso negar o que eu sou e, não posso mais ainda, fingir ser algo que de longe combina com meu jeito de vida. Eu odeio formalidades.

Quer me dar falta, me dê, agora me ouça. É o grande problema aqui. Ou melhor, são. Pouco se ouve, e os que ouvem possuem um problema seríssimo em se colocar no lugar dos outros, talvez por comodismo, convicção ou quem sabe, uma terrível conclusão de que sua maneira de enxergar a conduta das pessoas é a mais plausível, coerente, justa e ética. Como se não bastasse o sistema de notas, no qual meu valor é dado por números, eu tenho ainda que aturar uma cota de presenças de 75%, onde um número menor que isso significa que eu não sou um ser humano apto a ser aprovado em tal disciplina.

'Mas professor, eu já lhe disse. Eu fui bem honesto com você. Eu poderia ter invetado mil desculpas e dito que eu simplesmente fiquei doente. Poderia ter forjado laudos e atestados. Eu simplesmente disse o que aconteceu. Passei por uma cirurgia, tive problema de horário com sua disciplina em relação ao meu trabalho, tive que dar prioridade ao concurso durante um mês e ontem tive que viajar pra realizar o sonho de outras pessoas'

O discurso esmaece no vácuo. Um monólogo prossegue. A figura burocrática autoritária a frente usa os termos 'seu futuro', 'suas escolhas', 'suas prioridades' num tom de verdade absoluta e intencionalidade de culpa. Os argumentos para ele apresentados nada valeram, e 'suas desculpas' foi a forma como ele se referia aos mesmos. Num tom conciliador disse que não tinha intenção de dar nenhuma 'lição de moral' e que o dito aluno deveria 'rever o que estava fazendo com sua história na universidade'. Algumas conseqüências desagradáveis fizeram-no pedir desculpas ao 'mestre' e dizer o 'muito obrigado' mais falso de toda sua vida. A cabeça baixa passa pelo corredor a frente e um sentimento bizarro de fracasso preenche-o completamente.

A universidade é um tremendo fracasso justamente por causa da burocracia e outras coisas. É lógico que muitas pessoas sequer estudam, muito pouco aprendem e realmente não levam a vida em si a sério. Mas observe, tratar a instituição a mãos-de-ferro é a atitude das mais ignorantes. Primeiro porque se desconsidera a sinergia e a dialética, nem todos aprendem e e ensinam da mesma forma, ninguém é igual ao outro, cada ser humano é repleto de particularidades intensas e incomparáveis, pois são teias imensas que não se separam em essência. Como então impor um regime ridículo, movido por pseudos-boas-intenções? Pois em verdade a única finalidade desta merda maior ainda é suprir o mercado de trabalho e formar uma horda de mercado de reserva para os patrões.

E os imbecis entram nas salas, assistem as aulas como se estivessem fazendo a coisas mais certa e justa do mundo. Assistem por obrigação e não por vontade interior. Você pode pensar 'está dizendo isso porque não é você o professor!'. Balela! Eu serei, se tudo der certo, e eu, desde a primeira vez que comecei a dar aula (estágios e outras coisas mais) falei o óbvio. 'Assista minha aula se quiser, se não quiser pode assinar a lista de presença e sair. A única coisa que eu quero dos que ficarem aqui é respeito.'

Esperava mais disto aqui. O tempo passa e a única convicção que eu começo a construir é que eu estou cada vez mais interiorizando valores que não são meus. As vezes acabo para uma aula sem propósito algum pela onda dos outros. As vezes porque é a única coisa a se fazer no dia. Não sei, pode parecer boçalidade, mas eu não troco minhas horas de estudo sozinho por praticamente nenhum professor duas ou quatro vezes na semana numa sala repleta de seres egoístas qual eu não tenho absolutamente nada em comum a não ser o curso e o local onde estou.

Ainda assim, minhas notas vão bem obrigado. O que, incrivelmente não diz nada pra mim. Já passei com 9 em uma disciplina que não aprendi absolutamente nada, e já fui pra final de uma que acredito saber mais do que alguém que passou direto (o que me deixou indiscritivelmente puto!).

Julgar, não julgar, dar valores errados, pré-conceitos e egoísmo estão todos no mesmo barco. O professor não se coloca na pele do aluno, que tem que trabalhar e estudar um bocado. Que não tem a comodidade de um carro pra ir e vir e gastar menos horas no seu dia. Que ainda, não tem empregada em casa e tem que se virar com a comida. Que pode ainda morar sozinho, e seu emprego não é uma escolha e sim, sua única opção. Ainda, desconhece e muitas vezes sequer fica curioso com o motivo da conduta do aluno.

'...não faltei porque quis desta vez. O sonho de outras pessoas dependiam de mim e eu tive que abdicar da aula ontem em prol disso'. A história foi a de um homem que nasceu pra música e também a faculdade o oprimiu. Uma seleção num festival deixou ele entre os 18 colocados de 100. Ele a banda não puderam ir por causa de provas, seminários e aulas de reposição para disciplinas quais se poderia perder por falta...

Ele, todo coração, saiu sozinho pra rodoviária, com um violão e foi se apresentar como solo. Foi para as finais. Todos deram um jeito de ir, e, eu não poderia ser o único a pensar só em mim. Talvez não fosse um egoísmo ter ficado, no entanto, acredito que teria sido um individualismo ruim.

Quando converso com alguém sobre isso. Sobre as faltas, as decisões, a minha maneira de enxergar a realidade eu sou muito crédulo do que digo e sinto. Cada ação que eu faço vale a pena. Cada coisa que eu faço vai refletir no meu futuro de uma maneira que eu sequer sei. Pode ser algo bom, pode ser algo ruim, mas eu quero que seja sempre algo que não me faça ser algo que eu abomino. Não quero ser mais um que bate continência, que é repleto de dogmas e preconceitos, que aceita o prato posto como se tudo fosse muito lindo e muito correto. Não! Está tudo errado sim e eu não vou ser mais mais um a dizer 'não se pode fazer mais nada'.

Desde criança que me dizem que eu iria mudar meu jeito de pensar. Não quero virar meus pais, ou os pais dos outros. 'Apesar de tudo, tudo que vivemos ainda somos os mesmos?' Amadureço, endureço, a ternura sempre perto, mas, jamais, conformado. As conseqüências eu aceito. Minha dignidade, meu eu, o que eu tenho de mais precioso que é a maneira como eu vivo e julgo a vida, trocada por uma comodidade ridícula numa inexistente igualdade é a coisa mais idiota que eu poderia fazer.

O tempo há de passar. Acredito que o mundo não vai durar o suficiente pra eu ser velho o quanto espero, ou que possivelmente morrerei jovem por algum motivo desconhecido. Mas ainda assim acredito que no fundo no fundo, que sejam 10 ou 1 ano, eu vivi do jeito que havia de viver. Não tiro uma vírgula do meu passado. Nenhuma. O que disse, e o que fiz me tornaram quem eu sou hoje e eu estou muito satisfeito (mas não completo). O que fizeram comigo, principalmente as piores coisas, são, pra mim hoje, o meu maior legado. Nos momentos de mais dificuldade eu amadureci e passei a dar valor a coisas que são em essência importantes pra mim. Então, você, não venha me dizer como se vive a vida e nem quantos títulos acadêmicos você tem. Cada um vive a vida da maneira que conseguir, e, até você se colocar no lugar do outro, pra mim, você não passa de algo menos importante do que a menor merda que possa existir neste planeta.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

a forma do amor rechaçado

"E qual era, afinal, a forma e a máscara que usava o amor vedado e oprimido na sua reaparição? Assim perguntou o Dr. Krokowski, e deixou o seu olhar passar ao longo das filas, como se esperasse seriamente uma resposta dos seus ouvintes. Ora, essa resposta teria de ser dada por ele mesmo, que já dissera tantas outras coisas. Ninguém, exceto ele, sabia-a; mas ele não falharia, isso se notava na sua expressão.(...) Hans Castorp, como todos os demais, esperava com suma curiosidade ficar sabendo sob que forma voltava o amor rechaçado. As mulheres mal se atreviam a respirar. O Promotor Paravant mais uma vez coçou a orelha, para que, no instante decisivo, ela se tornasse aberta e acolhedora. Eis o que disse o Dr. Krokowski:
 - Sob a forma de doença. O sintoma da doença nada é senão a manifestação disfarçada da potência do amor; e toda doença é apenas amor transformado."
 
p. 157. A Montanha Mágica de Thomas Mann

segunda-feira, novembro 17, 2008

A história de Seu Geraldo

Seu Geraldo, Geraldinho como é conhecido. Chamado também de Geraldo beiço-de-jegue, no alto de seus 52 anos viveu algo inusitado. Já há algum tempo procurando emprego, viu que não havia jeito, tinha que apelar. Reclamou a sua mulher, disse que isso era coisa de 'mau-olhado', pois não conseguia sequer arrumar um emprego na Cidade Nova, periferia de Jequié.

Sua mulher, conhecida e experiente, disse que daria jeito. Lhe deu uma pemba. Sim uma pemba. Um amuleto contra mau-olhado. Era um trouxinha com ervas dentro, bem empacotadinha. Ela lhe disse que levasse consigo pra onde fosse, e só se desfizesse da pemba quando arrumasse um selviço. Geraldinho entendeu e seguiu seu caminho pela estrada. Não deu tempo de ouvir a mulher dizer que ele deveria colocar a pemba no bolso, ao invés de dentro do calção...

Andando pela estrada, seu geraldo, descalço, resolvou tomar um dragãozinho. Só dois dedos pra guentar a quentura da cidade. Foi andado, prum lado e pro outro. Tentando manter-se em linha reta, até que ouviu alguém gritar: Parado aí rapaz!

Dois homens o abordaram. - Encosta na árvore aí!

-Calma seu dotô, precisa apontar pra mim não.

- Encosta rapaz, já disse!

- Já encostei! Já encostei!

Devia ser mais uma ronda de rotina, pois o bairro é muito perigoso e seu geraldinho sabe muito bem disso.

Enquanto um policial segurava a arma, o outro foi revistar. Passou numa perna, passou na outra. Quando ja ia finalizando, reparou numa saliência perto da cintura. Rapidamente retirou, cheirou, e bradou:

- Bonito hein? Nessa idade fazendo isso! O senhor sabe o que é isso por acaso?

- Seu dotô, deixa eu te explicá...

- Explicar? Como ainda que tem coragem de dizer alguma coisa. O senhor é pai de família já e faz uma coisa dessas? Dá até pena ter que fazer isso com o senhor mas vamo ter que ir pra delegacia averiguar isso. Onde foi que você comprou?

- Não comprei não senhor, foi a minha mulher...

- A sua mulher? Então quer dizer que o senhor é aviãozinho é?

- Aviãozinho? Não seu dotô...

- Olha meu senhor, o senhor sabe que isso não é certo?

- Mas meu senhor, tanta gente usa, e é por uma causa certa, não faço errado não, sou homem direito.

- Homem direito? O senhor deveria se envergonhar. Andando com um pacote desse por aí achou que ninguém ia te revistar por ser idoso? Vamo entrando no carro logo.

- Mas seu dotô. Isso é só uma pemba. Carece de nada não, eu jogo ela fora e a gente fica resovido...

- Pemba? Quer dizer pra os mais velho o nome dessa pacoterazinha é pemba?

- Sim pemba, minha mulher disse que faz um bem, por isso eu to com ela. Se quiser eu levo o senhor lá e ela lhe explica melhor que eu...

- Então o senhor não quer ir sozinho pra delegacia? Meu senhor, não percamos mais tempo. Venha você a pemba e o que for pro carro.

- Ô seu dotô, faz isso com eu não. Tava indo ali procurar um selviço... sem a pemba não tinha como conseguir.

- Então o senhor trabalha com pembas?

- Não senhor, a pemba é só pra que eu consiga o serviço. Depois que conseguir eu jogo a pemba fora...

Começando a desconfiar da pemba, abriu a trouxinha e viu um emaranhado de ervas. Cheirou, viu que não se tratava do que achara e ficou com uma cara de vergonha indescritível.

-Olha, como é o nome do senhor?

- Geraldo, mas o senhor dotô pode chamar de geraldinho, beiço-de-jegue, beição...

- Pois seu geraldo, já que o senhor disse que é trabalhador, vou liberar pra o senhor. Mas se for andar com essa pemba por aí, explique direito o que é da próxima vez. Diga que foi um presente de sua mulher. A propósito, a pemba serve pra que mesmo?

- Cura mau olhado. Ou curava...

Seu Geraldo riu e continuou, descalço, a andar na beira da pista. No meio do caminho, uma pemba voava em direção ao asfalto e logo os carros desmantelaram aquela trouxinha rosa.

quinta-feira, novembro 06, 2008

Auto-poluição Reflexiva

De repente eu percebo as coisas ao meu redor. A fumaça que entra pela minha boca e sai pelo nariz inicialmente não me causa incomodo algum. Um banquinho de concreto direciona minha onda. Um poste logo a frente atrapalha a vista. Os carros passam. As pessoas passam. Eu, estático, continuo observando.
A taquicardia chega. Sempre é da mesma forma. Me ocorre um medo súbito da morte. Não sei de onde veio, talvez nas próprias propagandas anti-tabagismo em revistas, que avisam para uma considerável possibilidade de um fulminante ataque do coração. Eu sustento essa idéia, o coração acelera absurdamente, pode ser que seja agora.
Logo eu vou me acostumando com o ritmo acelerado. Mas naquele momento parece que nada está, ou vai dar, certo. As pessoas parecem correrer pelas ruas ao invés de caminharem. O céu não parece mais o mesmo, talvez um meteoro rasgue-o agora e termine com esse fim de tarde de maneira explosiva.
A quentura do ambiente ajuda um pouco esta inquietação mental. Faltam apenas dois tragos. Fixo meu olho num coqueiro perto. O ar invisível à minha frente de repente parece tomar forma. É um momento de alucinação momentânea. Vejo o ar transparente como se fosse uma fumaça bem clarinha, ou até mesmo aquele ar quente que se vê acima do asfalto.
Agora faltam apenas um, o ápice chega. Olho ao redor e mais uma vez constato que tem alguma coisa errada por aqui. Parece que a loucura me tomou, parece que eu constatei o óbvio. A angústia e o susto por uma morte súbita me faz concluir que sou um número. O mundo é uma contagem. Um banco de dados primoroso que nada faz a não ser acrescentar casas decimais em um imenso oito-deitado.
Levanto ainda tonto. O cigarro voa magistralmente em direção ao asfalto. Eu passo pela rua, ela passa por mim. Minha casa fica a duas quadras. O coração volta a bater normalmente mas a sensação de morte persiste. Um assassino está por aí e talvez me encontre. Não tenho dinheiro algum e morrerei por isso.
Penso em correr pela rua e chegar em casa mais cedo. Penso estar começando a ficar louco. Talvez já esteja e não saiba. Os pensamentos chegam numa velocidade indescritível. Chego em casa, uma dor de cabeça infernal vai oscilando. A vontade de escrever aparece, tenho que correr senão ela morrerá. As idéias morrerão.

segunda-feira, setembro 29, 2008

Apatia

Hoje eu consegui definir o que causa pelo menos uma forma de apatia. Não a social, porque isso é um ponto onde várias setas insidem e seria fora de minha vontade tentar falar de cada uma delas, e sim a particular, essa que nos faz tocar violão em pé na sala, sem formar acorde nenhum. Há ânimo para alguns projetos, em alguns momentos, mas parecem tão distantes de se executar.

Apatia [s.f.] - Estado emocional que se manifesta quando ir embora é perigoso e ficar é inquietante.

sábado, setembro 27, 2008

A Angústia dos Lugares

Consigo gostar de quase tudo que faço a ponto de querer estar exatamente onde estou. Mas aí que está: na verdade eu gostaria de qualquer outro lugar que me desse as condições iguais de fazer o que faço. Ler sem ordem, escutar música enquanto lavo prato, sair gratuitamente, poderia ocorrer em muitos outros pontos do globo. De modo que nada me impediria, além de grana, de estar em outro lugar, vivendo essas mesmas boas coisas. E talvez em outro lugar elas soassem ainda mais encaixadas, mais fortes, ou até tivessem um tom que me fizessem gostar de outras coisas anexas. Enfim: fico angustiado em querer saber como seria o meu jeito de viver, mesmo que fazendo sempre as mesmas coisas em todos os jeitos, pra cada lugar que existe.
A grande inquietação é saber que existem centenas de possibilidades, em centenas de cidades, capazes de me pôr em vias distintas de contentamento, e para todas elas, um distinto grupo de pessoas. Existe gente que me faria sentar na calçada e conversas horas, todos os dias, mas que apenas por um azar geográfico, não vou conhecer. Existem moças que me amariam com afinco, e eu de volta, que não me encontrarão. Existem formas de vida que me absolutalizariam ainda mais e que, talvez, por um descuido, por uma falta de imaginação nas escolhas, eu nunca vá viver.
E sim, repito: as coisas que faço aqui são as que realmente eu pretendo fazer sempre, e se um demônio chegasse, como propôs Nietzsche, e me indagasse se eu suportaria viver dessa forma num eterno retorno, eu responderia que, conceitualmente, sim. Mas e o lugar pra esses conceitos acontecerem? Ok, pode ser esse aqui, mas o aqui é sempre a angústia da co-existência de todos os outros.

segunda-feira, setembro 15, 2008

Morfina

Olá.
Anos depois o MA se concretiza. Não sei se é pelo fato d'eu ter muita coisa fresca na cabeça ou se é pela simples motivação de criar um blog com uma pessoa tão legal, Saulo (por favor, não choremos mais), que sinto uma inspiração pulsante aqui.
Demorei ainda algum tempo pra registrar algo aqui pois eu já sei que este, como sendo o primeiro post meu, vai ser também o primeiro a ficar pra trás. E se eu gostar dele? E se toda diversão e outros sentimentos bons estiverem aqui (ou ruins que levam a bons). Ele simplesmente vai ser esmagado pela barra de rolagem, até o infinito. Depois será mais um nos arquivos do blog.
Entretanto, vim pensando a pouca hora. Porque mesmo que escrevi pra Saulo ha alguns dias chamando-o para completar o incompleto de 3 anos atrás? Seria pra aumentar o número de comentários? Adsenses do Google? Popularidade? Nada disso. Se tem algo que eu ja disse, num comentário anterior, é que (ultima rasgação de seda daqui =P) me agrada muito dialogar com o Dourado (que gay isso!), e, logicamente, estamos em mundos diferentes, mas, aqui, em teoria, da pra aproveitar muito. Não é exatamente como estar na praia, de madrugada, e tropeçar em algum conhecido e abraça-lo. Mas, é algo bom. Algo que espero que dure o suficiente e não seja um compromisso, mas um prazer (ui!).


Bem, o ocorrido foi há quase uma semana. Eu fiz uma cirurgia, a primeira. Antes disso só fui cortado por grampeadores e estiletes em aulas de desenho. Aliás, ocorreu-me uma vez um furúnculu no cotovelo. Sim no COTOVELO. Um lugar tão miserável para se aparecerer este bendito de nome esdrúxulo que eu tive que fazer uma micro-mini-cirurgia. De tão mini, a anestesia foi uma pomadinha e unica coisa diferente do procedimento foi um dreno e uma dor prolongada que foi covardemente presenteada a um menino de 12 anos.
Minha maravilhosa cirurgia de agora passa longe disso aí. O prógnóstico era Varicocele (varize no ovo - bago - esquerdo) e hérnia (protusão de um órgão- no caso o intestino) inguinal (região) à direita. Estou eu aqui tal qual uma mulher recém parida, de resguardo depois do corte cabuloso da cesariana. O corte é igualzinho igualzinho, se eu fosse uma mulher, poderia tirar o filhinho ainda agora.
Tirando o aspecto trágico qual me encontro agora, que até coceira nas nádegas apareceram e espinhas, devido a um intenso tempo deitado e sentado, a parte mais plausível de se contar é realmente o pós-cirurgico.
De certo que sabia que me cortariam todo e eu ficaria como inválido por uns 15 dias imaginei que seria tudo mais ou menos tranquilo. Cheguei lá já começando com a infelicidade do constragimento. A infermeira vem logo perguntando se eu já estou 'raspadinho', e eu, tive que mostra-la que não. Minha mamãezinha foi quem me salvou e com uma lâmina de barbear semi-cega, despentelhou-me, enquanto eu balançava em pé no banheiro, devido ao Valium que a infermeira meteu-me guela abaixo.
Aí vem as burocracias. Cadê os exames? Vai a mãe em casa procurar e nada. Vai a namorada em casa procurar e nada. Os exames sei lá porque eu coloquei dentro de uma mochila. A demora foi tanta, que depois que acharam o efeito do tranquilizante passou. Eu ainda precisei esperar mais uma hora pra que a enfermeira almoçasse e tudo mais. Por fim, a cirurgia marcada para 7:30 da manhã começou às 3h da tarde.
- Enverga a coluna direito. - Dizia com a maior tranquilidade do mundo o anestesista...
"Como assim 'direito'? O que você faria se soubesse que alguém vai meter um agulhão no meio de suas costas?" Eu não sei como é o procedimento, mas ele meteu foi duas vezes. A primeira eu sentado e a outra eu deitado.
- Deite e fique na posição de frio.
Posição de frio? Que posição louca é essa? Foram quase 10 minutos com isso. Queta... E depois que ele tirou a agulha do tamanho de uma caneta eu ainda pensava que estava em minhas costas.
- Mecha as pernas.
Rapaz, quem disse que dava pra mecher? Eu botei toda força do mundo e nada. Ai veio ele depois dizer que ia me dar uma 'coisa' pra eu relaxar. Morfina o nome da danada. Eu apaguei que eu nem senti. Acho que se ele tivesse pedido pra eu contar até 1 a 10 eu nem tinha chegado no 1.
Eu acordei no meio da cirurgia. Vi as luzinhas. Beleza, to vivo. Eu nem tinha percebido ainda que estavam me operando. Quando eu vi aquele pano verde em minha frente foi que eu vi. Vixe, será que passouo efeito da anestesia? O bom foi que nem deu tempo de raciocinar. Olhei pra cima e vi um degrade que ia do verde ao vermelho, e em baixo a mesma coisa. Ai eu pensei 'a sala é espelhada?'. Como minhas mãos não estavam presas, eu dei uma de conversador e puxei o guarda pó do médico:
- Venha cá seu doutor, que sala é essa? As luzinhas? Que luz é essa?
Ele deu uma rizadinha e falou pra eu ficar quietinho. Um segundo depois eu apaguei.
'Ar luzinha'. Acordei na sala pensando nelas. Na graça que era puchar o guarda pó do médico. Ele apareceu e mandou eu mecher as pernas, que ainda estavam dormentes. Eu nem sei porque, e nem sei onde arrumei tanta flexibilidade, mas eu, que me acostumei com o mesmo pedido de horas atrás, usei tanta força que a perna quase veio em minha cabeça. Sorte que ele segurou.
Todo cortadinho, comendo mamão pra soltar e mijando todo dia um bocado. Talvez do 'nada pra fazer' eu tenha me motivado a chegar no scrapbook de Saulo e reviver idéias antigas. Bem bem, que se acostumemos então a postar aqui. E você que agora lê, se acostume com os erros, pois eu raremente corrijo escritos.
Até a próxima (ai...)

ps: saulo saulo, se encarregue de utilizar sua lista de e-mails para uma divulgação unica. dai em diante só o acaso.

Aqui

Montar blog não é algo que exija qualquer explicação. É fácil, você entra, faz, publica e não precisa de pretexto algum, porque existem coisas, como essa, que quando muito naturalizadas, não cobram mais uma nota prévia, um porquê. E mesmo que tudo tenha uma historinha que anteceda, coisas comuns perdem o direito de contá-las. Só às vezes uns insistem e no final a historinha nem tinha tanta graça assim, porque acabou no exato ponto em que qualquer um poderia acabar. E se pára de insistir? Pro nosso pior.
Foi idéia de Anderson, quando eu lhe narrei um causo cheio de coincidências. Nós nem nos encontrávamos tanto assim, até hoje inclusive, mas o que ele propôs me pareceu fácill: escrever causos e besteiras que nos divertisse. É isso: o bom de Anderson é que, apesar de todas as conversas pessimistas que você possa ter com ele, as coisas, ao seu toque, sempre parecem mais fáceis de serem vistas, digeridas, vividas. Bom, não aconteceu o blog naquela época. Eu larguei a escola (não definitivamente), ele saiu dela meses depois e foi viver no interior. Enfim: mundo pros dois.
Pelo início desse ano que a gente foi se reencontrar e de um modo que bem revela o título disto aqui. No porto da barra, às duas da manhã, eu caminhando perdido de um grupo, ele passando uma semana ou duas em Salvador. Conversamos, bem gratuitamente, como deve ser uma boa conversa. Nos despedimos, prometemos um qualquer dia desses aí. E uma semana depois, ele falou tarde da noite pelo msn, se eu queria passar em Stella Maris pela manhã.
O dia, com manhã embriagada, gato achado na rua, vexames com irmã, gente encontrada sem querer na praia, diálogos sobre o fim do mundo, simbolizou o que mais me dá gosto no meu movimento diante de todas coisas, o fluxo completo, o caos dos acontecimentos, a possibilidade para o imprevisível. Tento, e muito mais de uns tempos pra cá, fazer da vida o meu próprio objeto, e não servi-la de base para construir algo que faça, ilusoriamente, mais sentido do que ela mesma, seja uma grande carreira, ser aclamado, eternizado. Só se for natural, se acontecer assim junto dela. Caso não, a vida que seja e quando acabar, que eu acabe também, e desse jeito que deveria ser, porque só ela que realmente valia. E aquele dia foi algo O Apanhador no Campo de Centeio, coisas simples que ora ou outra representavam o que viria pouco tempo depois: ele iria voltar para Jequié e tomar umas decisões, e eu iria começar a faculdade, depois de uma jornada antológica.
Nesse dia Anderson tocou de novo no assunto do blog. Disse que sim, mas metido em bobagens literárias, de planos, grandes planos que me completavam, acabei enrolando e não soube deixar acontecer. Meses depois, ele mandou uma mensagem inquiridora. Confirmei. Daí só dois dias, dois cliques. E fincamos. Que seja. Qualquer coisa.