segunda-feira, novembro 17, 2008

A história de Seu Geraldo

Seu Geraldo, Geraldinho como é conhecido. Chamado também de Geraldo beiço-de-jegue, no alto de seus 52 anos viveu algo inusitado. Já há algum tempo procurando emprego, viu que não havia jeito, tinha que apelar. Reclamou a sua mulher, disse que isso era coisa de 'mau-olhado', pois não conseguia sequer arrumar um emprego na Cidade Nova, periferia de Jequié.

Sua mulher, conhecida e experiente, disse que daria jeito. Lhe deu uma pemba. Sim uma pemba. Um amuleto contra mau-olhado. Era um trouxinha com ervas dentro, bem empacotadinha. Ela lhe disse que levasse consigo pra onde fosse, e só se desfizesse da pemba quando arrumasse um selviço. Geraldinho entendeu e seguiu seu caminho pela estrada. Não deu tempo de ouvir a mulher dizer que ele deveria colocar a pemba no bolso, ao invés de dentro do calção...

Andando pela estrada, seu geraldo, descalço, resolvou tomar um dragãozinho. Só dois dedos pra guentar a quentura da cidade. Foi andado, prum lado e pro outro. Tentando manter-se em linha reta, até que ouviu alguém gritar: Parado aí rapaz!

Dois homens o abordaram. - Encosta na árvore aí!

-Calma seu dotô, precisa apontar pra mim não.

- Encosta rapaz, já disse!

- Já encostei! Já encostei!

Devia ser mais uma ronda de rotina, pois o bairro é muito perigoso e seu geraldinho sabe muito bem disso.

Enquanto um policial segurava a arma, o outro foi revistar. Passou numa perna, passou na outra. Quando ja ia finalizando, reparou numa saliência perto da cintura. Rapidamente retirou, cheirou, e bradou:

- Bonito hein? Nessa idade fazendo isso! O senhor sabe o que é isso por acaso?

- Seu dotô, deixa eu te explicá...

- Explicar? Como ainda que tem coragem de dizer alguma coisa. O senhor é pai de família já e faz uma coisa dessas? Dá até pena ter que fazer isso com o senhor mas vamo ter que ir pra delegacia averiguar isso. Onde foi que você comprou?

- Não comprei não senhor, foi a minha mulher...

- A sua mulher? Então quer dizer que o senhor é aviãozinho é?

- Aviãozinho? Não seu dotô...

- Olha meu senhor, o senhor sabe que isso não é certo?

- Mas meu senhor, tanta gente usa, e é por uma causa certa, não faço errado não, sou homem direito.

- Homem direito? O senhor deveria se envergonhar. Andando com um pacote desse por aí achou que ninguém ia te revistar por ser idoso? Vamo entrando no carro logo.

- Mas seu dotô. Isso é só uma pemba. Carece de nada não, eu jogo ela fora e a gente fica resovido...

- Pemba? Quer dizer pra os mais velho o nome dessa pacoterazinha é pemba?

- Sim pemba, minha mulher disse que faz um bem, por isso eu to com ela. Se quiser eu levo o senhor lá e ela lhe explica melhor que eu...

- Então o senhor não quer ir sozinho pra delegacia? Meu senhor, não percamos mais tempo. Venha você a pemba e o que for pro carro.

- Ô seu dotô, faz isso com eu não. Tava indo ali procurar um selviço... sem a pemba não tinha como conseguir.

- Então o senhor trabalha com pembas?

- Não senhor, a pemba é só pra que eu consiga o serviço. Depois que conseguir eu jogo a pemba fora...

Começando a desconfiar da pemba, abriu a trouxinha e viu um emaranhado de ervas. Cheirou, viu que não se tratava do que achara e ficou com uma cara de vergonha indescritível.

-Olha, como é o nome do senhor?

- Geraldo, mas o senhor dotô pode chamar de geraldinho, beiço-de-jegue, beição...

- Pois seu geraldo, já que o senhor disse que é trabalhador, vou liberar pra o senhor. Mas se for andar com essa pemba por aí, explique direito o que é da próxima vez. Diga que foi um presente de sua mulher. A propósito, a pemba serve pra que mesmo?

- Cura mau olhado. Ou curava...

Seu Geraldo riu e continuou, descalço, a andar na beira da pista. No meio do caminho, uma pemba voava em direção ao asfalto e logo os carros desmantelaram aquela trouxinha rosa.

Um comentário:

malemolente disse...

uma palavra: SURREAL