terça-feira, agosto 04, 2009

Uma Merda


Eu sei que o tempo não existe, mas a sensação do mesmo é parecida com uma nausea intermitente, as vezes você se da conta e fica com uma sensação ruim, as vezes é indiferente. Enfim, isto está me incomodando intensamente agora, acho que vou vomitar.

Até o dia de hoje passei boa parte de minha vida criando planos e projetos para não simplesmente passar pela vida e ser direcionado pelas tendências. Minha idéia era fazer algo realmente diferente, tentar mudar a realidade em alguma instância, nem que fosse pra chamar atenção acerca de algo que incrivelmente não havia sido observado.

Enfim, hoje, depois de tanto tempo, consolidei meu pessimismo de uma maneira sem precedentes. Antes, eu achava que tudo ia dar errado só por uma questão de expectativas. Se desse certo, seria uma surpresa, caso não, ficaria apático, frente a algo que eu já esperava.

Agora não, eu tenho certeza que não há jeito nem remédio, não há alternativa nem conformação. E o pior, do jeito que está, o rumo final é algo absurdamente péssimo. Péssimo mesmo.

Sabe, estudei em escola particular a vida toda, e não sei até onde isso influencia, mas eu tive pressões ambientais terríveis para que fosse muito diferente do que sou hoje. Primeiro que nem todos os professores eram bons, mas os bons sobressaiam e muito em relação aos demais. Desde cedo comecei a duvidar de tudo e estabelecer alguma criticidade que, julgo eu, ser fundamentada na maioria das vezes. O melhor da escola foi o senso crítico e o poder do arrependimento. Voltar atrás e mudar é algo muito bom, por mais que não se estivesse errado. A imutabilidade é uma amputação mental.

Da mesma forma que os professores mau-educadores, a família e a igreja ajudaram muito pouco. Com a igreja aprendi um pouco sobre a sinceridade e, felizmente levo isso comigo até hoje. Com a família, bem, me deram escola, roupas e alimento. Biologicamente falando é o suficiente. No fundo, no fundo, até hoje ainda sinto as brasas daquele inferno, mas agradeço, porque as experiências me fazem refletir sobre qualquer ato meu. Não tolero hipocrisia. Se eu virar a cópia de algo que eu abomino, tenha certeza, meu corpo será piedoso comigo e me dará um fim bem trágico, de tanta tristeza.

Munido das experiências e de um inconformismo ululante, tentei pensar na maneira melhor de mudar a realidade das pessoas que não tiveram o mínimo de oportunidades que eu tive e, provavelmente, com os mesmos ou piores problemas que eu. Pensei, pensei, e achei que era só adicionar paciência á prática. NADA.

Existe uma impossibilidade de tentar ser um professor com visão emancipatória. Veja, são 50 minutos para disciplinar, dialogar e mediar o conteúdo. Não interprete mal a palavra disciplina. Não é uma questão militar nem de treinamento visando uma atitude adequada sempre. É só uma questão de convivência. Ouvir e ser ouvido, respeito. Só.

Depois de mais de um ano nesse meio, percebi. Não dá mesmo. Não estou jogando a toalha, mas pense, este pouco tempo, somado com a vida conturbada que cada um tem, a miséria de alguns, a falta de atenção que é dada a outros. A escola é o momento deles brincarem, serem os mais instintivos possíveis. Inquietos, destruidores, agressivos. Tudo que os hormônios e os sentidos lhe direcionarem será feito.

Eu, que já me inseri numa tranquilidade mais ou menos, agora volto a agonia. Desta vez é fruto de um desconforto, do stress diário pelo dever não cumprido. Pela decepção. Pela decaptação dos sonhos.

Vinte e dois anos não são nada, mas foda-se, não vivi nada e o pouco que quis sempre ficou pra trás. Nunca quis ser o beija-flor que apaga o incêndio da floresta, mas é absurdo ver todo mundo se queimar sem se incomodar.

Se não bastasse isso, os anos passam e você fica cada vez mais só. Não só isso, tudo que já foi próximo a você acaba virando algo inalcançável. Não sei se é porque eu sou saudosista demais, mas de uns tempos pra cá eu tenho pensado mais no meu passado do que no meu futuro. Uma saudade estranha que me consome. Sonhos antigos, que eram complicados, viram utopias impossíveis. Adoro utopias, mas está num nível insustentável. Todos os meus sonhos viraram utopias, todos os meus sonhos vêm se condensando com o tempo, virando partículas diminutas num pequeno espaço, inatingíveis ao tato.

Tudo anda tão mal que eu já ha um tempo tenho adotado uma postura apocalíptica. Se tivesse que orar, seria para o fim dos tempos. Para o fim desta realidade. Para dar uma nova oportunidade, um novo recomeço. Uma espécie de higienização. Não é o caos que me incomoda, ele as vezes é um ótimo oxigenador, ajuda-nos a perceber a realidade que sempre esteve ali. Me incomoda envelhecer, e ver o mundo exatamente como esta agora. Uma merda.

segunda-feira, junho 08, 2009

O tempo

Acredito que algumas coisas só o tempo para justificar. O foco é algo que leva tempo para entender. As vezes, uma visão distorcida ou, incompleta, impede de perceber por completo as nuances da vida. Esse relógio, que na verdade é algo absurdamente variável, é uma característica muito complicada para mim.
Esquecer leva tempo. É um fato. Agora, o tempo pode ser longo, quando eu estou falando de coisas que marcam e, invariavelmente você quer se livrar de certo peso. Pode ser curto, quando se trata de algo desnecessário, como as cores das casas das ruas que você passou, em certa rua, antes de comprar seu pãozinho.
A questão é que, muitas vezes, o tempo é indigno. Nos acabamos por culpas outras coisas, mas é tudo culpa do tempo. O tempo que inventamos. Inventamos também o certo e errado, que estão no tempo e que estão nos problemas do dia a dia.
O certo é que não tenho mais tempo. Não mais para problemas que me atordoam ha tempos. Esse tempo eu também criei, e ele é muito justo comigo. É o tempo do qual eu consigo levar uma vida normal. O tempo de quando os gritos cessam e os gritos deixa de ser uma normalidade (temporalmente repetitivo).
É disto que quero falar. É isso que me leva agora a escrever. Não é somente porque, depois de tanto tempo, eu finalmente joguei a toalha e desisti do outro tempo que vivi. É somente porque, mesmo com tanto tempo, existem coisas que já não mais podem ser confrontadas. Não há mais nada a fazer.
Por mais que doa, por mais que pareça algo impossível de se fazer, depois de algum tempo, a fuga já não satisfaz, e, uma hora ou outra a única possibilidade é escolher o que fazer. É um beco sem saída mesmo.
Quando se fala do passado, por mais que o esquecimento aconteça, algo sempre está ali, lhe esperando desde muito para ser dito. Eu disse, falei tantas vezes. Mas, infelizmente vivemos em diferentes épocas e, o relógio já não está girando igualmente. Ficando velho estou, sei disso, mas isso já era esperado.
Entretanto, mesmo não tendo vivido tanto tempo, acredito que aprendi o suficiente para não ter uma vida tão conturbada e falsa. Eu aprendi que a verdade é o que mais importa, por mais que doa e, pior que dizer a verdade, é dizer uma verdade como se ela fosse a única. Isso é imperdoável.
Os exemplos não faltaram, então estou certamente impregnado de motivos para não fazer certas coisas. Mentir é razoavelmente normal. Entretanto, se tem algo que o tempo e a minima verdade certamente nunca tolerarão é a incapacidade de reconhecer o que se faz de ruim para outrem. Por mais que se esteja certo, por mais que se tenha todos os motivos, isso é algo que borracha alguma consegue fazer escritos tornarem-se despercebidos.
Quando um ser humano possui no seu interior todas as respostas, quando este mesmo ser ignora todos seus atos e ainda, se convence de sua inocência, este ser humano esta perdido. Está literalmente fadado a uma ilusão que durará até a data que sua lápide sera esculpida. E, por mais que se tenha tentado voltar atrás, o tempo jamais irá voltar para que se tenha uma nova chance de refletir de outra forma.
A certeza absoluta é cega. O erro, é normal. Uma certeza nunca é tão certa. O erro é um julgamento. Um sentimento nunca está errado. Não há matemático nisto. Há somente o sentimento e com ele, o tempo, e tanto tempo que durará aquilo que é inominável e somente sentimos.
É nisto que acredito, e, pode não ser certo.
Acabou. Não há mais nada que eu acredite que possa ser dito e não esteja relacionados com uma realidade que está num tempo qual eu não quero voltar mais. A ignorância salva-me da agonia de uma infernal realidade. E, por mais que eu seja uma pessoa tão ruim ao ponto de não enchergar onde está a maldade das minhas atitudes, eu realmente me sinto no dever de dizer que o tempo me fará ver isso e, tenho certeza, se eu reconhecer, estarei perdoado.
No fim das contas, o que importa não é nada que não seja o sentimento. Por mais que demore, algo bom preenchera a parte podre que convencionalmente acabei preenchendo em meu coração. Podre, porque falo daquilo que contamina todo o resto. Por mais bom que tenha sido o sentimento, o fato dele incapacitar que todo o meu eu se desenvolvesse normalmente, torna isso algo nocivo para mim.
É exatamente por isso, que agora eu vou dormir. Já sem taquicardia e sem mais nada para ser dito. Já sem mais nada dentro de mim. Vazio, como quando nasci e chorei muito ao avistar e encher de ar meus pulmões. Acabou neste exato momento mais de 21 anos de minha vida. Neste exato momento acaba toda a necessidade. O passado lá está, bem guardado, sem a necessidade de ser revolvido. Agora sou só eu e o futuro. Por mais solitário que pareça, no fim das contas, o que importa é o sentimento. O bom. Por mais duro que seja o que tenha que se fazer.
Aprendi. E, fico como o silêncio agora, como a melhor resposta para a solução, que,já não mais vale a pena, a respeito deste problemático antes.
O melhor é dormir. Dormir.

sexta-feira, abril 10, 2009

A DERRADEIRA

obs: depois escrevo sobre as outras postagens. mas esse aqui é um dos meus melhores textos. dava pra fazer um livro. enfim. la vai:

Entre a ilusão e a resignação




Capítulo I
Este é o momento. A hora derradeira, onde tudo que foi feito vai ser analisado finalmente. E não é qualquer julgamento vão, cheio de preconceitos e idéias fracamente concebidas. Aqui se está a analisar a capacidade de aceitação, redenção e finalmente, o tão sonhado reconhecimento.

É necessário entender que assumir não é a única coisa a ser feita. É necessário vestir o alvo e aceitar os tiros que virão. Se não vierem, esperar, e muito, para que chegue o dia do perdão. É a mudança. Anos serão analisados até aqui. E o passado? Sim, este monstro qual você tem se escondido por tantas décadas vai estar lhe esperando e você precisa conversar com ele.

No início da manhã, depois de mais uma vez mal-dormir assistindo filmes até a madrugada, resolveu finalmente ir ao trabalho. Mais um dia cansativo que lhe renderia as energias do dia.

A solidão da casa dava um vazio para a manhã. Os filhos já ali não estavam. A mulher, distante há um tempo. E ele mesmo, longo e enclausurado em suas neuras. Grosserias paliativas matinais apimentavam aquela solitária manhã, mas um sabor diferente estava pra vir. Eram os papéis.

Tão longamente esperados por todos. Tão certos e dignos de respeito. São os papéis da liberdade. A alforria que finalmente poderia ser assinada por aquele homem. Não um homem qualquer, mas o responsável pela desestruturada família e aquele casamento que já não cheirava a rosas há anos.

Pela janela do carro uma risada sem graça ao ler os ditos do envelope e a quem estava endereçado. Não havia mais tempo para pedir desculpas. Havia tempo para trabalho, para consumir sua mente com toda aquela decisão súbita. De alguma forma tentava se convencer, enquanto ultrapassava os carros, de que havia alguma salvação e que as coisas não estavam tão feias assim.

Tolice pensar assim, não só estavam irremediavelmente perdidas como era certo que daquele momento em diante tudo estaria a prova. O fardo de morrer sozinho poderia virar uma realidade imediata caso não aceitasse sua condição e as penosas conseqüências da vida que levara até então. Ao invés de se ajoelhar e esperar o castigo, resolveu utilizar mais uma vez suas táticas antigas de dominação, esperando que algo de bom acontecesse. Pobre homem.

Logo ligou para vizinhos e parentes. Disse que a mulher não podia de forma alguma fazer isso com ele. Que a vida toda dedicou a fazer o melhor para todos, que não lhe entendiam, que não haveria outra para viver a seu lado que não ela.

Categoricamente respondiam que ele fez por merecer. A arrogância e a auto-ilusão o invadiram imediatamente. Rapidamente disse que se ela não desistisse ele não daria um centavo e já a difamava, dizendo que haveria ela achado algum outro homem. Coisas do carnaval. Já estava ele a criar histórias e já começava a acreditar tanto nisto que ele já se sentia triste por se achar tão injustiçado a esta altura da vida.




Capítulo II
Não ligaria para seus filhos. Não conseguia enganar-se a este ponto. Ele sabia, no fundo no fundo, que eles não estavam na casa por sua causa. O mais velho, saiu já aos 18 anos, pois não suportava aquele tempestuoso ambiente. A mais nova, aos 17, foi também para outra cidade, pois não havia nada pior do que ver os maus-tratos a sua mãe e as descargas de violência verbal diária que recebia.

Mas antes de sair oficialmente, o mais velho passou por situações extraordinariamente absurdas, e que, certamente justificam seu afastamento e, de tão intensas, justificam a tendência a ignorar fatos, deste pai de família mentalmente conturbado.

Quando tinha 13 anos de idade, seu pai lhe perguntou se ele por algum acaso amava ele. Estava bêbado o suficiente para ser ignorado, pois era escandaloso e não havia o mínimo de entretenimento naquela situação. Era mais um dia daqueles, onde a adrenalina subia por causa do medo. Poderia ser ele que apanhasse, poderia ser a mãe. Poderia vir uma tragédia naquela hora. O pai sempre foi imprevisível.

- Não, não gosto de você. Foi a resposta e seu primeiro surto de coragem. Já chorava, mas não voltaria nas palavras jamais. O pai logo retrucou “Se não disser o contrário vai ficar de castigo um mês”. O menino nada respondeu e deu de ombros. Logo ameaças de agressão física vieram, mais choro. A mãe interveio, temendo o pior, disse que era brincadeira.

O assunto acabou mas perturbou o homem por meses. O filho havia parado de lhe chamar de pai. Era o que mais lhe afligia. Era tão difícil entender que ele havia se portado mal e justificava essas atitudes? Mas não, era mais fácil enganar a si e aos outros. Inventava histórias. Dizia que seu filho lhe humilhou uma vez. Esquecia das humilhações e de tudo de mal que havia dito.

Com seis anos forçou o filho a ver filmes pornográficos, temendo um caso, para ele, vergonhoso, de homossexualidade na família. Com nove lhe deixou debaixo da cama revistar pornográficas. E ao longo do tempo o carinho foi se perdendo, dando lugar a gritos e ao medo. Por vezes achava divertido mostrar aos amigos que se soltasse um grito forte o filho choraria, e assim fazia, e os ‘amigos’ riam.

Além disso, outras cenas fortes permaneciam bem vivas sobre o passado daquela família. O pai trancava a porta para que a mãe não fosse trabalhar e, posteriormente acabou perdendo o emprego. Logo vieram as traições e o desespero quando não voltava. Chegou até a passar um natal fora de casa, a amante que morava longe lhe esperava e ele, preferiu-a. O filho agradeceu aos céus por esse dia, mas logo ele voltou e a paz findou-se na casa.

Depois, ameaças. Dizia a esposa que iria jogar o carro em alta velocidade no mar. Batia nela sazonalmente. Espancou-a na frente dos próprios pais. Era descontrolado com a bebida. Batia o carro repetidas vezes. Estava levando todos consigo. Estava destruindo tudo a sua volta.

Seu único lapso de consciência veio justamente num acidente. Depois de ter vindo certa vez com todos no carro a 180 km/h, resolveu tentar a façanha novamente e espalhar a desconfortabilíssima sensação de morte eminente na família que viajava nas férias. O asfalto molhado avisava-o para diminuir, mas os 140 por hora era o que ele precisava mais. Respondia magistralmente ‘eu sou piloto’, e ainda ignorava e repreendia o pedido, coberto de lágrimas, dos filhos. Desequilibrado como era, não se sabe porque, ignorou a estrada molhada a noite e qualquer caminhão que viesse no lado oposto da pista.

Os gritos logo vieram. O carro derrapara. Um penhasco convidava o carro. Nada mais justo. Beber, dirigir e correr tem seus riscos. Uma mureta rochosa beijou o carro. A filha projetou a cabeça contra a janela de trás e, o filho, apenas rodopiou no ar e bateu-se contra o banco do motorista.

Então o choro despertou o homem. Ele desesperou. Poderia ter matado alguém aquele dia. O que havia ele feito? Porque era incapaz de refletir sobre seus atos? Porque traia sua mulher? Logo, com muito pesar levou o carro pro acostamento. Chamou a mulher. Assumiu a amante que todos, inclusive os filhos, já sabiam o nome, Elizângela, moradora do distante Marback. Disse que iria mudar, que aquilo era um sinal divino. Infelizmente, isso durou poucas horas e aquele homem disposto a mudar morreu pouco depois do acidente, dando lugar ao que sempre esteve ali.

Pouco depois disso, voltamos a cena com o filho e a coragem. Passaram-se meses e ele chega em casa sem uma gota de álcool no sangue, o que era pra ser um bom sinal. Mentira pura. Mesmo sem estar entorpecido, o homem estava possuído aquele dia. Achou por bem descontar no filho o desconforto do desamor. O filho deveria lhe tratar como pai por bem ou por mal, mesmo que não quisesse.

Se justificou na cara escola que pagava e na comida que colocava a mesa. A mulher que ele fizera perder o emprego já não podia contestar tanto, pois temia uma represália maior aos filhos. Ele no entanto, justificava seus atos por sua infância. Seu pai lhe espancou com murros, sua mãe, com pedaços de pau. Tanto apanhou na infância que talvez tenha adquirido uma vontade de passar adiante esse legado violento. Alem disso, utilizou os estudos como refúgio, com o tempo começou a se achar melhor que os demais e daí vem seu problema com convicções e ilusões.

Ao chegar pediu a benção dos filhos. O mais velho logo pensou que não faria pois o pai não era digno de tamanha coisa. A filha, com medo, imediatamente fez e foi dormir. O filho ficou na cozinha, esperando que ele se distraísse. Subiu as escadas e deitou na cama, esperando dormir logo e que aquela noite estranha terminasse logo.

Não deu tempo de cochilar. Logo veio o medo intenso. Seu pai o chamava ‘venha cá seu moleque’. Ele haveria de descer as escadas. Haveria de confrontar com a violenta realidade. O monstro havia despertado. O amor não havia e o ódio era fundamentado cada vez mais.
‘Você pensa que eu sou besta? Você pensa que eu sou otário é?’ E logo o sermão da benção começou. Disse que tinha que ser respeitado pois acima de tudo era o pai. Era ele quem lhe sustentava. Ele lhe devia. Lhe devia tudo por causa dessa responsabilidade anterior de ter engravidado a mãe, mesmo que significasse ser humilhado durante toda sua vida.

O filho logo disse que não fez nada, tentando apaziguar, mas corajosamente disse que a benção não pediria. O pai gritava já. Dizia que sabia que o filho não gostava dele, mas disse que a partir daquele momento ia gostar, pois se não gostasse ia apanhar toda vez que demonstrasse.
Empurrou-o para o sofá e encomendou diversos socos na boca e no rosto do filho. Os braços magros não conseguiram diminuir o impacto daqueles gordos punhos. O aparelho dental que possuía piorava ainda mais. Seus lábios grudaram no aparelho, seu rosto ensangüentado e o rubor facial demonstrava o excesso de lágrimas que proferira.

A mãe unicamente dizia ‘já está bom’. A prima que lá morava o ajudou a limpar-se e a irmã só chorava. Era mais uma cena que o pai havia criado na casa. Mais uma atitude desequilibrada. O filho finalmente dormiu. Antes disso, cogitou ir embora dali e morar na rua. Cogitou fortemente. Mas essa hora chegaria, ele só precisava planejar.

O pai pediu desculpas sinceras pela ultima vez. O filho se sensibilizou, também pela última vez e alguns meses se passaram. Até o pior dia daquela casa, que ainda viria, o filho economizou cada centavo para o próximo dia tempestuoso que o seu pai certamente criaria. Mas antes disso as humilhações se intensificaram.




Capítulo III
O filho sempre fora bom aluno, pois era além de uma fuga, a única coisa que podia fazer, pois nunca deixavam ele sair com amigos. Ia fazer 15 anos ainda e não tinha uma única vez saído com amigos. E, por mais que fosse bem na escola, o pai chamava-o de vagabundo. Dizia que na idade dele já vendia coisas na rua, ‘se virava’, mesmo que o pai não deixasse e até o batesse por isso. Repetia sempre a história de seu primeiro emprego, como radialista, sua bancada de frutas.

Em seguida chamava o filho de vagabundo. Dizia que quando ele fizesse 18 anos deveria se mandar, pois era o tempo. Independentemente das notas, dizia que o filho deveria estudar mais, que era a única coisa que deveria fazer, pois ele foi assim. Talvez visse na vida do filho uma projeção da sua, daí tanta incompreensão. Por fim, reclamava ainda mais e gritava ou castigava o filho sobre a sua única diversão, os jogos no computador.

E então o dia chegou. O pai bêbado, sentou-se ao lado do filho, enquanto esse ficava no computador. Ele desligou o monitor e fez o menino dar-lhe atenção. Disse que queria conversar. Disse que ele não o chamava mais de pai, que estava sendo ruim com ele, que ele, por mais paradoxal que pareça a afirmação, não merecia isso.

Passou-se um tempo e veio ele novamente, agora em um tom menos conciliador. Veio com gritos. Chamou-o para a varanda, pediu que o filho sentasse e a muito custo ficaram cara a cara. O bafo de cerveja era acompanhado de palavras lascivas. Repetiu toda a história mais uma vez. Contou que seu pai o bateu a vida toda e nem por isso ele deixou de gostar do avô do menino. Jogou na cara do menino que tudo que havia comprado foi com o suor dele.

O volume aumentava. Até que ele concluiu seu pensamento. ‘Se você não gosta de mim por bem, vai gostar por mau’, pegou-o pelo pescoço, apertou e disse que iria matá-lo. A mãe apareceu. Gritava desesperada. Ele se desconcentrou e o filho se desvencilhou. Pulou os móveis, saiu pela porta dos fundos. Ao chegar no portão, pediu desesperado que o vizinho abrisse. Iria dormir na rua aquele dia.

Sorte que ainda tinha amigos. A amizade não duraria pra toda a vida, mas o reconhecimento sim. Marcele e Paulo eram os nomes. Se desesperaram pois logo souberam do sumiço. Foi ajudado, dormindo debaixo da cama de Paulo. Em seguida, foi morar com a madrinha, onde passou os melhores 4 meses de sua vida.

Suas notas aumentaram absurdamente. Estava feliz. Não era sua casa, mas era o melhor ambiente que tinha vivido até então. Achava que aquilo poderia durar pra sempre, mas infelizmente, realmente não era sua casa. O pai ainda foi lá algumas vezes, mas ele sempre fugia. A única vez que foi pego, o pai chegou, com o característico odor de cerveja e disse para ele voltar para casa. Pulou móveis novamente, pulou a janela, e esperou que a paz voltasse. Que fosse embora o homem.

Daí em diante muitas idas e vindas. Já aos 15 anos, após voltar pra casa teve uma intensa depressão qual se acostumou e nunca foi tratada. A violência nunca parou, mas sempre que algo grave acontecia ele amarrava suas trouxas e sumia por algum tempo.

A pior de todas foi quando finalmente entendeu que não dava pra morar em lugares qual ele não tivesse posse. Independente da boa vontade e da compreensão de todos, nunca poderiam ficar com ele pelo tempo que precisava. Não trabalhava, divertia-se pouco. Sua vida conturbada deveria ser repensada, fugir de casa já lhe trazia problemas demais, ir para casa dos outros pior.
Morou na rua então um tempo. Tomava banho na escola pela manhã. Acordava às 4 da manhã, para que os moradores não vissem que ele havia invadido um quintal. Sua cama era uma rede e o frio noturno diminuía suas horas de sono.

Ainda assim, se sentia feliz, pois estava pela primeira vez conseguindo lidar com problemas de maneira certa. Antes de dormir, lembrava da cena que o fizera chegar ao fundo do poço. O pai lhe ameaçava espancar se não trabalhasse pra ele. Ele fez-se de humilhado, disse que trabalharia sim, chorando. Foi pra casa, pegou a rede, biscoitos, livros e sumiu.

Depois de tantas tempestades, mudou-se. Certa cidade universitária no interior virou seu porto seguro. A ausência daquela atmosfera absurdamente desagradável lhe proporcionou a possibilidade de começar a viver. No entanto as férias desagradáveis sempre vinham. O pai aparecia para lhe tirar a paz, ou ele, iria visitar sua antiga casa, e, mais uma vez, se entristecia.




Capítulo IV
Com o tempo, bem antes de se mudar, ignorou o ódio. Entretanto, a apatia e a incompreensão tomaram seu lugar. Tentou muitas vezes conversar e convencer o pai a tentar alguma reflexão. Inútil foram todas. Sempre respondia ‘isso é passado’, ‘quem vive de passado é museu’. Entre outras prontas e mentirosas frases.

Mentira era também um problema intenso. Mentia por tudo e se iludia mais uma vez, pensando que as pessoas acreditavam. Mas era mentira também, pois riam da cara dele e o achavam louco. Homem conturbado que sempre foi, justificava julgamentos, era o maluco, o desequilibrado e também o mentiroso.

Nos últimos tempos passou a mentir mais. Dizia que havia verdadeiramente melhorado. Que vivia tempos de luxo com a mãe do, agora, homem também, seu filho. Inventou que dormiam juntos todos os dias e não conseguiam caso seus corpos não se tocassem. Esquecia ele que todos sabiam que ele só dormia na poltrona e ela, nem no quarto aparecia, pois o volume da televisão não deixava sequer os vizinhos dormirem.

As agressões nunca terminaram naquela casa. A filha era agora o alvo de represálias. Herdou a vontade de ir embora, orava para que Deus tirasse aquele homem de sua vida, que deixasse sua mãe em paz. A incompreensão lhe maltratava, era uma adolescente que tal como o filho mais velho, não podia sair.

Os estudos vinham como problema agora. Milagrosamente o irmão conseguia se concentrar, mas ela não. Talvez não fosse um dom que ela possuía, apesar de ser muito inteligente, era pesado demais pra ela. Vivera então anos sozinha lá, na completa agonia. Começava a entender porque tantas vezes seu irmão havia saído dali. Não tinha coragem, era só isso que a impedia de seguir os passos.

A oportunidade surge. Ela vai morar com a tia em outro estado. Agora sim, agora tudo pode dar certo. Com todos longe, a mãe pode tomar a antiga e justa decisão. Separar-se desse homem que já provou que não consegue mudar. O homem que destruiu o sentimento que todos tinham. O conveniente sentimento.

Voltamos ao carro. A caneta dobrada em cima do envelope cobra uma resposta. Os familiares todos sabem, ele não pode enganar a todos. Não há mais a quem enganar. Talvez pense que exista alguma fuga com seus contatos no meio jurídico. Talvez... No entanto do que vale a partilha de bens se se morrerá sozinho?

Uma assinatura não está mais significando uma simples separação. Todos cobram a resignação. Assumir finalmente que errou. Assumir as conseqüências do erro. Não existe fuga aqui. Não tem como. É uma escolha que vale por todas as mazelas que criou. É a chance de provar que, apesar de muitos pensarem que ele é uma pessoa muito má, ele tem algo de bom que o torna melhor que um monstro.

Quem sabe, se a solidão imediata lhe fizer pensar, as coisas não melhoram. Com todos longe, e, com a capacidade dele de afastar a todos com sua arrogância e prepotência, a solidão final torna-se um fato. Mas, caso um novo surto de consciência surja, tal qual o dia que bateu o carro, as coisas podem vir a mudar.

O filho lhe escreveu tudo certa vez. O resultado foi uma resposta corrosiva. Quando o filho fizesse 21 anos ele não o sustentaria mais e só voltaria a falar com o mesmo quando o filho o pedisse desculpas. O filho desistiu de tentar, mas a história, quem sabe, pode fazer algo por si própria. Aquele envelope. A alforria. Ela pode libertar todos, inclusive, a maldade, mesmo que ingênua, presa por tantos anos, neste homem.

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

A Volta

Eu não quero escrever nada. Vem aquela trava na altura do bíceps, que desce num fluído para o antebraço e recolhe os dedos. A má vontade parece estar exatamente entre meu peito e minha garganta. Ou nas minhas sobrancelhas inclinadas, para quem pode apenas me ver e não me sentir. É de uma força tamanha que me faz parar a cada frase. Essa veio com o mesmo tempo de espera que eu teria num parágrafo. Não sei, simplesmente não quero e isso me acontece há tempos. Mas preciso voltar, preciso voltar a querer, se é que se pode obrigar. Não obrigar, mas quem sabe no tropeção de uma palavra encontrar o fio que me conduzia antes. Talvez uma expressão me alegre e me imponha a escrever, num enchurrada, como alguém sonolento que ao ser tocado num ponto exato do corpo desperta. Vou tocando em mim e contra mim até encontrar. Porque preciso. Não vejo outro caminho mais significativo para eu retornar a ser o que eu era. Quando estava mais vivo e contava histórias minhas como um grande ocorrido, e sentia uma enorme satisfação em estar entre muitos, e me sentia bem, seguro, escrevia com vocação. Era um ofício em que a vida acontecia para ir até ele. Era exagerado, uma obsessão, mas se vier novamente apenas um pouco disso, posso voltar a ter vontade de tudo. Sinto falta de muita coisa, como se estivesse enclausurado. Não amo mais ninguém e isso é o que eu defino como fim. Não pretendo estar no fim. É uma ordem continuar, claro, e isso só é possível se amo, que só é possível se me disponho para o mundo. Escrever - era o meu sentido salvo.

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Os últimos meses (a literatura)

Até pouco tempo, acreditei que virar escritor me pouparia de ser alguém completo, com todos os gestos, os cumprimentos, as despedidas e as obrigações que ser alguém implica. Começou já no dia em que, ao errar algo em frente a muitos olhos e em frente a muitos olhos me constranger, decidi escapar e, no futuro, escrever livros. Repetia comigo que eles se lembrariam do episódio quinze anos depois e não sentiriam outra coisa senão afeto, porque ali era um escritor num pequeno ato falho, num breve desvio de atenção. Tudo se justificaria. Eu estaria absolvido de todos os meus enganos enquanto homem.

           A cada erro me apegava ainda mais à idéia literária, tornava o escrever uma obsessão estranha, com fins e pós-fins em sua intencionalidade. Pouco sincero, havia um público em minha cabeça para toda frase. Público composto dos que me provariam. Ignorava o que não fizesse parte do meu objetivo, incluindo certos entendimentos, certas pessoas, certos espaços.

        Uma tarde, anos após, quando errava pela terceira ou quarta vez com a mesma pessoa, ouvi um arremedo de palavras que me latejou por horas. Caminhei demais para entendê-las até o seu último tom mais denso. E, no final, não suportei mais repeti-las em mantra, obrigá-las a me remoer, deixei que se filtrassem numa única expressão, não menos penosa que as outras unidas, mas que aos poucos me lançaria ao canto em que eu queria estar: “meu caro, nada salvará você de si mesmo”.

          Eis por que, Olivian, você está descontente com sua amante, com suas vilegiaturas e consigo mesmo. A razão desses males você talvez já tenha notado; mas então por que comprazer-se neles ao invés de procurar saná-los? É que você é muito miserável, Olivian. Não é ainda um homem e já é um literato.

          Marcel Proust em “Os Prazeres e Os Dias”

          Penso que o escritor deva sentir como o seu lugar a condução de um estado latente de vida, os seus cadernos como um repouso do que vem mais alto, não como um ímã que puxe qualquer substância do ar. É preciso ir o mais além que se possa e ter o limite no objetivo, fazendo um sentido fundo nas linhas que se narra, pois de sentido em sentido se chega ao maior. Eleger a escrita como uma grande força, mas apenas uma das grandes que se poderia escolher, essas que servem de pretexto para que conduzamos os dias e vejamos o desenvolvimento de todos eles em nós. E disso surgir uma literatura que se move de verdade. É essa a literatura em que queremos meter o rosto, nós, escritores, professores, jornalistas, estudantes, donas-de-casa, andarilhos, qualquer coisa em busca.

          Observo em várias novas publicações um despropósito com a visceralidade, uma queda excessiva pelo conceitual, os personagens ocos, a ironia inconsistente, as expressões com aparência de processador Word. Leio-os e sinto a textura do papel junto com as letras impressas, o que deveria ser proibido a um leitor. O objeto precisa desintegrar-se. Mas não, permanece. E acabo a leitura com a idêntica facilidade de quem não acabaria: fecho as páginas e pronto. Mais um.

           Procuro agora nos livros a sensação de absurdo que é estar e estar aqui, de ter atravessado o intervalo entre o microcosmo inanimado e a célula, de então respirar, me alimentar, querer alguém do meu lado, ter crises e rumar invariavelmente para a morte. Não posso doar tanto tempo a escritores que escrevam como se não fossem morrer, como se a vida já tivesse se normalizado. Quero os que, mesmo sabendo do tamanho da morte que lhes virá, escrevem. Um olho no papel, um olho no penhasco, ouvindo o tic-tac da bomba crescendo. E meu olho neles, os modelos.

          Não devo enxergar na literatura uma ascensão que se desnivele, que não esteja em reta paralela com a dos meus passos. Nunca ver nela aquela promoção fácil de mim mesmo, um sustento, para que por ventura as pessoas me enalteçam sem mim. Nada de amenizações, nada de forma de consertar estragos, nada de potência para covardes. Não devo pedir que ela colha qualquer coisa que eu lhe entregue com o nome dela. Não devo nunca aporrinhá-la se não tiver segurança que contribuo e não apenas a incho. E para tanto, dure o que for de duração, é preciso me fortificar dentro do meu canto, entender vorazmente o que me cerca, perceber meus passos ficando cada vez mais firmes. Meus dedos. Meus rascunhos como o alargamento de minha ação.                  

sábado, dezembro 13, 2008

Assuntos acadêmicos (só?)



Algo torna a universidade um dos piores lugares qual mantenho relações com pessoas. Em certos momentos uma fantasia estranha mascara isso, e eu repentinamente esqueço o mar de podridão qual eu estou nadando.

Uma coisa boa, fora a absurda fonte de conhecimento, é a capacidade de conhecer pessoas, perspectivas diferentes, idéias novas, tudo que se relaciona com certo engrandecimento do ser e de certa forma, algum amadurecimento.

No entanto, tenho me deparado nestes últimos dois semestres com uma dolorosa constatação do óbvio. Há uma guerra ridícula sendo travada aqui. Não há vencedores, nunca haverá. A única intenção deste joguinho ridículo é a maximização do ego, o sentir-se superior e uma vantajosa dose de egoísmo que vai sendo jogado no ventilador e cada um acaba absorvendo uma fração desta condensada merda.

Os alunos vivem num mundo estranho. A maioria acredita e defende que a universidade é um local onde nos comportamos como soldados. Seu único dever é estudar e mostrar para a sociedade quanto você vale. No caso, pra você valer algo que preste, você deve ter como cifra, pelo menos, um sete. A maioria dos que, por muitos motivos não alcançam esta 'meta' já são pré-rotulados como desleixados, burros, desinteressados, indecisos e uma infinidade de adjetivos, que de longe se percebe que nada têm de positivo.

Fora a questão da nota final em si, tem outros fatores como faltas e prazos. Eu sou muito suspeito pra falar sobre esse assunto, mas minha experiência de vida até agora me fez perceber que algumas coisas são baboseiras absurdas. Prazos e faltas tem pelo menos um pé nisso. Lembro que eu cobrava um amigo meu intensamente sobre isso. Ele nunca fazia os trabalhos em tempo hábil, raramente estudava para as provas entre outros fatores. Ainda assim, eu considerava ele como alguém muito inteligente (o que em na realidade não tem absolutamente nada a ver). O tempo fez eu acabar percebendo que eu estava sendo implicante demais, mas eu achava ele o máximo do desleixo ainda assim. Não demorou muito e ele morreu. A tragédia me fez refletir que porra de cobrança era aquela que todos faziam com ele. Tudo é muito efêmero, existem coisas que numa reflexão mais global não fazem o menor sentido.

No caso das faltas e prazos, eu tenho meu jeito de viver com isso. Por exemplo, eu me sinto muito mais a vontade estudando o assunto em casa do que ficando 4 horas olhando pra alguém explicando algo que eu mesmo posso aprender. Isso foi desde sempre. Eu não consigo me concentrar muito tempo nas aulas, logo começo olhar pra os lados, pra o relógio, e aquele ambiente se torna insuportável. Não é sempre, depende do professor e do assunto (até porque eu participo muito, as vezes até enche o saco), mas certo momento eu acabo me levantando, vou dar uma volta, bebo minha água, faço minhas necessidades fisiológicas e volto.

No entanto, essa conduta minha é meio que geral. Até certo ponto é plausível para a maioria, só que eu , no caso, acabo, para as outras pessoas, exagerando. Não é isso. É maneira pela qual meu ensino-aprendizagem flui. Eu não posso negar o que eu sou e, não posso mais ainda, fingir ser algo que de longe combina com meu jeito de vida. Eu odeio formalidades.

Quer me dar falta, me dê, agora me ouça. É o grande problema aqui. Ou melhor, são. Pouco se ouve, e os que ouvem possuem um problema seríssimo em se colocar no lugar dos outros, talvez por comodismo, convicção ou quem sabe, uma terrível conclusão de que sua maneira de enxergar a conduta das pessoas é a mais plausível, coerente, justa e ética. Como se não bastasse o sistema de notas, no qual meu valor é dado por números, eu tenho ainda que aturar uma cota de presenças de 75%, onde um número menor que isso significa que eu não sou um ser humano apto a ser aprovado em tal disciplina.

'Mas professor, eu já lhe disse. Eu fui bem honesto com você. Eu poderia ter invetado mil desculpas e dito que eu simplesmente fiquei doente. Poderia ter forjado laudos e atestados. Eu simplesmente disse o que aconteceu. Passei por uma cirurgia, tive problema de horário com sua disciplina em relação ao meu trabalho, tive que dar prioridade ao concurso durante um mês e ontem tive que viajar pra realizar o sonho de outras pessoas'

O discurso esmaece no vácuo. Um monólogo prossegue. A figura burocrática autoritária a frente usa os termos 'seu futuro', 'suas escolhas', 'suas prioridades' num tom de verdade absoluta e intencionalidade de culpa. Os argumentos para ele apresentados nada valeram, e 'suas desculpas' foi a forma como ele se referia aos mesmos. Num tom conciliador disse que não tinha intenção de dar nenhuma 'lição de moral' e que o dito aluno deveria 'rever o que estava fazendo com sua história na universidade'. Algumas conseqüências desagradáveis fizeram-no pedir desculpas ao 'mestre' e dizer o 'muito obrigado' mais falso de toda sua vida. A cabeça baixa passa pelo corredor a frente e um sentimento bizarro de fracasso preenche-o completamente.

A universidade é um tremendo fracasso justamente por causa da burocracia e outras coisas. É lógico que muitas pessoas sequer estudam, muito pouco aprendem e realmente não levam a vida em si a sério. Mas observe, tratar a instituição a mãos-de-ferro é a atitude das mais ignorantes. Primeiro porque se desconsidera a sinergia e a dialética, nem todos aprendem e e ensinam da mesma forma, ninguém é igual ao outro, cada ser humano é repleto de particularidades intensas e incomparáveis, pois são teias imensas que não se separam em essência. Como então impor um regime ridículo, movido por pseudos-boas-intenções? Pois em verdade a única finalidade desta merda maior ainda é suprir o mercado de trabalho e formar uma horda de mercado de reserva para os patrões.

E os imbecis entram nas salas, assistem as aulas como se estivessem fazendo a coisas mais certa e justa do mundo. Assistem por obrigação e não por vontade interior. Você pode pensar 'está dizendo isso porque não é você o professor!'. Balela! Eu serei, se tudo der certo, e eu, desde a primeira vez que comecei a dar aula (estágios e outras coisas mais) falei o óbvio. 'Assista minha aula se quiser, se não quiser pode assinar a lista de presença e sair. A única coisa que eu quero dos que ficarem aqui é respeito.'

Esperava mais disto aqui. O tempo passa e a única convicção que eu começo a construir é que eu estou cada vez mais interiorizando valores que não são meus. As vezes acabo para uma aula sem propósito algum pela onda dos outros. As vezes porque é a única coisa a se fazer no dia. Não sei, pode parecer boçalidade, mas eu não troco minhas horas de estudo sozinho por praticamente nenhum professor duas ou quatro vezes na semana numa sala repleta de seres egoístas qual eu não tenho absolutamente nada em comum a não ser o curso e o local onde estou.

Ainda assim, minhas notas vão bem obrigado. O que, incrivelmente não diz nada pra mim. Já passei com 9 em uma disciplina que não aprendi absolutamente nada, e já fui pra final de uma que acredito saber mais do que alguém que passou direto (o que me deixou indiscritivelmente puto!).

Julgar, não julgar, dar valores errados, pré-conceitos e egoísmo estão todos no mesmo barco. O professor não se coloca na pele do aluno, que tem que trabalhar e estudar um bocado. Que não tem a comodidade de um carro pra ir e vir e gastar menos horas no seu dia. Que ainda, não tem empregada em casa e tem que se virar com a comida. Que pode ainda morar sozinho, e seu emprego não é uma escolha e sim, sua única opção. Ainda, desconhece e muitas vezes sequer fica curioso com o motivo da conduta do aluno.

'...não faltei porque quis desta vez. O sonho de outras pessoas dependiam de mim e eu tive que abdicar da aula ontem em prol disso'. A história foi a de um homem que nasceu pra música e também a faculdade o oprimiu. Uma seleção num festival deixou ele entre os 18 colocados de 100. Ele a banda não puderam ir por causa de provas, seminários e aulas de reposição para disciplinas quais se poderia perder por falta...

Ele, todo coração, saiu sozinho pra rodoviária, com um violão e foi se apresentar como solo. Foi para as finais. Todos deram um jeito de ir, e, eu não poderia ser o único a pensar só em mim. Talvez não fosse um egoísmo ter ficado, no entanto, acredito que teria sido um individualismo ruim.

Quando converso com alguém sobre isso. Sobre as faltas, as decisões, a minha maneira de enxergar a realidade eu sou muito crédulo do que digo e sinto. Cada ação que eu faço vale a pena. Cada coisa que eu faço vai refletir no meu futuro de uma maneira que eu sequer sei. Pode ser algo bom, pode ser algo ruim, mas eu quero que seja sempre algo que não me faça ser algo que eu abomino. Não quero ser mais um que bate continência, que é repleto de dogmas e preconceitos, que aceita o prato posto como se tudo fosse muito lindo e muito correto. Não! Está tudo errado sim e eu não vou ser mais mais um a dizer 'não se pode fazer mais nada'.

Desde criança que me dizem que eu iria mudar meu jeito de pensar. Não quero virar meus pais, ou os pais dos outros. 'Apesar de tudo, tudo que vivemos ainda somos os mesmos?' Amadureço, endureço, a ternura sempre perto, mas, jamais, conformado. As conseqüências eu aceito. Minha dignidade, meu eu, o que eu tenho de mais precioso que é a maneira como eu vivo e julgo a vida, trocada por uma comodidade ridícula numa inexistente igualdade é a coisa mais idiota que eu poderia fazer.

O tempo há de passar. Acredito que o mundo não vai durar o suficiente pra eu ser velho o quanto espero, ou que possivelmente morrerei jovem por algum motivo desconhecido. Mas ainda assim acredito que no fundo no fundo, que sejam 10 ou 1 ano, eu vivi do jeito que havia de viver. Não tiro uma vírgula do meu passado. Nenhuma. O que disse, e o que fiz me tornaram quem eu sou hoje e eu estou muito satisfeito (mas não completo). O que fizeram comigo, principalmente as piores coisas, são, pra mim hoje, o meu maior legado. Nos momentos de mais dificuldade eu amadureci e passei a dar valor a coisas que são em essência importantes pra mim. Então, você, não venha me dizer como se vive a vida e nem quantos títulos acadêmicos você tem. Cada um vive a vida da maneira que conseguir, e, até você se colocar no lugar do outro, pra mim, você não passa de algo menos importante do que a menor merda que possa existir neste planeta.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

a forma do amor rechaçado

"E qual era, afinal, a forma e a máscara que usava o amor vedado e oprimido na sua reaparição? Assim perguntou o Dr. Krokowski, e deixou o seu olhar passar ao longo das filas, como se esperasse seriamente uma resposta dos seus ouvintes. Ora, essa resposta teria de ser dada por ele mesmo, que já dissera tantas outras coisas. Ninguém, exceto ele, sabia-a; mas ele não falharia, isso se notava na sua expressão.(...) Hans Castorp, como todos os demais, esperava com suma curiosidade ficar sabendo sob que forma voltava o amor rechaçado. As mulheres mal se atreviam a respirar. O Promotor Paravant mais uma vez coçou a orelha, para que, no instante decisivo, ela se tornasse aberta e acolhedora. Eis o que disse o Dr. Krokowski:
 - Sob a forma de doença. O sintoma da doença nada é senão a manifestação disfarçada da potência do amor; e toda doença é apenas amor transformado."
 
p. 157. A Montanha Mágica de Thomas Mann